quarta-feira, 16 de março de 2011

UM SONHO RETOMADO

                                                                                                              * Maria Lorena Morgental Cervi
                Voltar ao passado e recordar minha infância é também retomar um sonho que nasceu lá pelos anos 36, 37 do século passado. Eu morava em Vale Veronês, pequena e saudosa localidade, incrustada entre morros,  naquela época, na divisa entre Santa Maria e Cachoeira do Sul, hoje entre  Silveira Martins e Faxinal do Soturno.
                Como em todo lugar pequeno, a vida era pacata e comunidade se desenvolvia ao redor da igreja e da escola. Já no advento da luz elétrica, do rádio, do telefone e do carro a motor, nossas conduções ainda eram o cavalo, a carreta de bois e a charmosa aranha, uma espécie de carruagem de duas rodas, que era muito utilizada como veículo de transporte para as noivas. As pessoas da comunidade dividiam seu tempo entre trabalho, oração e lazer. Assim, passava-se a semana na roça e, aos domingos, depois da ida à Capela da Nossa Senhora do Monte Bérico – hoje elevada a Santuário pelo saudoso D. Ivo,  e reestilizada pela mão competente de Juan Amoretti -  os homens se reuniam  na casa de comércio dos tios Zamberlam, para jogos de bocha, futebol,  carteado e a inconfundível gritaria, que muitas vezes até parecia briga, do jogo da Mora. Já nos encontros entre famílias – o saudoso filó – renovavam-se as energias e retomavam-se os laços de amizade, sempre acompanhados por um bom vinho e gostosos quitutes como os grôstolis.
Neste clima nasceu meu sonho. Meus irmãos maiores, como era comum a todos os homens da comunidade,  iam cedo para a lavoura. Minha mãe preparava o café da manhã – o  colacion – que era levado por mim e por minha irmã, Juliva, as duas menores da família.  E foi assim, no cansaço de carregar marmita com a primeira refeição da manhã, que nos meus sete  a oito anos passei a idealizar um sonho. Eu me imaginava dirigindo um carrinho um pouco maior que eu, que andasse sem ser puxado por cavalo, que subisse a estrada comigo, evitando que eu me cansasse. Tamanha era a sensação de posse, que tenho ainda hoje a nítida imagem do carrinho, rodando pela estrada da roça.  Hoje percebo que meu sonho, no desabrochar da minha infância viçosa, renova-se em outras formas,  pois  agora ele me ajuda a vencer as distâncias, os cansaços, e os limites que o declínio da vida oferece.
                                                                                                                              * Artista Plástica

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